segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Seixo Branco

estava languidamente deitado ao sol...

Sentia o seu calor vir até mim, tocar-me a pele com ardor, afundar-se no meu corpo, enquanto cobria com uma cortina incandescente os meus olhos cerrados. A areia, debaixo de mim, sustinha a lassidão do meu abandono, inerte, sem um gesto que me despertasse daquele enlevo.

Perto de mim marulhavam as águas num convite contínuo. Oferecendo-se servis aos meus devaneios...
eu era um devaneio.

Levantei-me... ergui-me da languidez que me enovelava, olhando a extensão de água à minha frente, a sua superfície de jade ondulante. Lavado de qualquer expectativa movi o corpo até ao mar e mergulhei a minha nudez na massa morna e líquida, que de imediato me abraçou...

Nadar é sentir um vento mais espesso jogar com massas e volumes. 

A liberdade de movimentos levava-me além de mim. Eu era ali, no meio daquele turbilhão de bolhas e remoinhos, com que expressava a minha alegria.

Deixei-me flutuar apenas... deitado de costas na superfície das águas, o sol cintilava no peito que arqueava ritmadamente, a pequena ondulação massajava-me, empurrando-me para a praia, onde as pequenas ondas iam-se espraiando acariciadoras. O areal, enfeitado de cacos de conchas e pedrinhas, estava ali como tudo o resto. 
Eu também.

Molhado, ergui-me e caminhei. O céu era quase branco, no esplendor do meio-dia de verão. Vi um pequeno seixo branco e sentei-me junto a ele. Não o toquei, mas podia sentir a superfície lisa, polida, opaca, abaixo da qual o sol tentava infiltrar-se. Sentia-lhe a massa espessa, cristalina, inerte, mas plena de matéria. Sentia-lhe a presença ocupando espaço, correspondendo às leis da física e delas dependendo. Senti o seu lugar no universo, entre a imensidão de coisas que o compõem. Senti-me nele, ocupando a sua forma, o seu volume, a sua massa. Desempenhava as suas funções e colhia os seus eventos. Senti conhecê-lo, aquele pequeno seixo branco ao lado do qual me sentara.

Depois voltei a deitar a minha nudez ao sol, desfrutando de tudo aquilo que era presente, ali, naquele momento.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Explicações

Por toda a caverna o coro foi aumentando de intensidade, já que as restantes criaturas, dispersas pelos vários nichos, juntaram as suas vozes à longa e ondulante melodia. 
Entretanto o globo no centro, ia-se tornando mais e mais brilhante, até eu e Pelarus sermos obrigados a desviar o olhar. Esse fulgor aumentou até se dissipar em miríades de pequenas luzes, que lentamente, flutuavam até às paredes rochosas e nela se diluíam, como se as tivessem penetrado. 

Quando voltámos a olhar de novo para o centro da caverna, já o grupo de dançarinos se dirigia no mesmo passo elegante para um dos túneis que desembocavam ao nível do chão da gruta. 
O coro do anfiteatro saia ordenadamente por um túnel do lado oposto ao daquele por onde nós entráramos. Mas a mesma criatura que nos havia trazido até ali não os acompanhou, tendo abandonado a sua posição para de novo se vir juntar a nós. 

"Questões. Muitas questões." afirmou na sua doce voz, com um sorriso amigável e cheio de ternura.
"Sim" respondi, aproveitando a ocasião para apresentar algumas das minhas dúvidas. "Quem sois vós? Porque nos trouxestes até aqui? O que significa o que nos mostraste?" Teria muito mais a perguntar, mas me pareceu que estas seriam as mais prementes.

"Não necessitas de falar, pois eu te escuto mesmo sem articulares as palavras. E nada tendes a recear de mim ou de qualquer um de nós." Falou tentando apaziguar algum receio que eu sentia pelo inusitado de toda aquela situação. Depois acrescentou: "Sim e não. Eu não posso escutar os teus pensamentos, mas posso escutar as palavras que pretendes proferir sem que as digas. No entanto sinto o teu receio e o de Pelarus também." Sorria carinhosamente enquanto falava, olhando meigamente para Pelarus "Ele está bem mais impressionado que tu." 

E estendendo a sua longa mão alva de dedos esguios, segurou amigavelmente a mão de Pelarus, ao que este correspondeu com um sorriso largo e descontraído. "Pronto! Já estás mais tranquilo." 
Depois continuou; "Nós somos o vosso amanhã, o vosso futuro." E perante a minha incompreensão, completou, "A vossa humanidade irá se extinguir, enquanto espécie, mas uma nova espécie humana já se está desenvolvendo para habitar a Terra."

As ideias corriam na minha cabeça e ela, ou ele, ia respondendo às minhas questões antes de eu as verbalizar. "Por enquanto apenas habitamos no interior da Terra e no fundo dos oceanos. Seria arriscado para vós o nosso aparecimento prematuro. Tudo se tornaria muito tumultuoso, entre vós. Não pretendemos interferir nos vossos destinos."

Eu e Pelarus escutávamos silenciosos, absorvendo cada palavra. "A vossa espécie extinguir-se-à naturalmente. Nós apenas tentamos salvaguardar algum equilíbrio natural no planeta para quando chegar o momento de o reivindicarmos à superfície. Foi um desses trabalhos que acabastes de presenciar." E com um mais largo sorriso, tranquilizou o meu sentimento de alarme, "Não haverá confrontos da nossa parte e a vossa espécie já estará em tal estado de declínio que os vossos últimos membros terão um fim tranquilo sob o nosso cuidado."

"Quanto ao planeta... A Natureza sempre se regenerou e a civilização que estamos desenvolvendo insere-se perfeitamente nos sistemas naturais do planeta." Fez uma pausa, em que podíamos ouvir o silêncio cristalino da imensa caverna, agora vazia. "Tal como vós tínheis melhores capacidades de adaptação física e mental que as espécies humanas anteriores a vós e desenvolvestes capacidades tecnológicas notáveis, nós temos maiores capacidades metabólicas e mentais que vós e que nos permitem o desenvolvimento duma civilização mais elevada em termos científicos e principalmente éticos."

"Agora vou vos acompanhar até à entrada dos túneis, onde os unicórnios vos esperam, para que regressais a Sulus."
"Conheceis a cidade?" entusiasmei-me a perguntar.
"Sim, conhecemos. É um bom exemplo de como deveríeis viver. Um bom modelo de cidade." E mais não disse, enquanto nos guiava de volta ao mundo exterior.


Nota: Este é o quarto e último texto, consecutivo na apresentação neste blog, dum pequeno relato designado sob o título geral de "A Dança das Cores"; embora cada texto tivesse recebido um título próprio.

domingo, 19 de outubro de 2008

A Dança das Cores

O túnel por onde haviamos descido desenbocava numa imensa caverna, encimada por um tecto abobadado altíssimo. Lá dentro encontravam-se inúmeras criaturas como aquela que servira de nosso guia, todas elas envergando as mesmas túnicas luminescentes cujo suave fulgor iluminava toda a caverna, na sua imensidão.
Saíramos do túnel para uma plataforma rochosa a meia altura da caverna, na qual havia  uma área que se assemelhava a um pequeno anfiteatro e onde se alinhava um grupo de criaturas, que parecia ignorar a nossa presença, tal a intensidade de concentração que transparecia dos seus rostos invulgares. 

O nosso guia encaminhou-nos para um nicho na parede rochosa, perto da boca do túnel, mas do lado oposto àquele onde se encontrava o grupo do anfiteatro. As restantes criaturas presentes encontravam-se dispersas em pequenos grupos, pelo solo da caverna em nichos nas paredes íngremes da mesma, como aquele onde fôramos colocados eu e Pelarus, ou noutros nichos dispersos a várias alturas das paredes íngremes.
Após se assegurar que estávamos convenientemente instalados e de que entenderamos que não deveríamos abandonar aquele posto, voltou-se com um ligeiro sorriso e foi tomar o seu lugar junto do grupo do anfiteatro, assumindo como eles uma atitude de profunda concentração.

Passados alguns momentos a luminescência das túnicas diminuiu, o que levou a que a imensa caverna ficasse numa semi-obscuridade, enquanto um som cavo e crescente se ouvia, fazendo vibrar o âmago das nossas almas. Pelarus procurou a minha mão com a sua e ficámos segurando com firmeza a mão um do outro. Os nossos olhos esbugalhavam-se com o que se desenrolava perante nós.

Um fulgor, de início mais fraco mas depois ganhando progressiva intensidade, provinha do tecto abobadado da caverna. Sete criaturas pairavam no ar junto ao tecto, ao contrário das restantes que já viramos, estas apenas se vestiam com um fato único da mesma matéria luminescente que as cobria por completo, à excepção da cabeça, como os outros. Agora podíamos observar a sua fisionomia, já que estes fatos aderiam ao corpo como uma segunda pele e, tal como eu suposera, os seus corpos eram esguios, com membros longos, em que os braços se prolongavam em mãos finas de dedos compridos e delicados. Contudo não se notava alguma particularidade anatómica que pudesse indicar um dos sexos humanos. Os seus peitos eram desprovidos de seios e no baixo ventre não se notava algum vulto que indicasse a presença de genitais masculinos. Eram assexuados?!

As criaturas levitantes pareciam massajar, ou acariciar, a abóbada da caverna, o que fazia com que desta brotasse uma substância amorfa e moldável, que elas puxavam e esticavam enquanto iam descendo em direcção ao solo. Assim uma tela imensa e branca se formou, quando as criaturas atingiram o chão da caverna onde, com idênticos gestos massajadores, firmaram a tela. Depois, para nosso maior deslumbre, passaram a voar em vólutas e piruetas, como se estivessem num ambiente sem gravidade. Simultaneamente os seus factos iridizavam em todas as cores do espectro visual.

No decurso da dança aérea, por vezes os bailarinos avançavam contra a tela e puxando-a, empurrando-a, perfurando-a, iam-na moldando. Em simultâneo os seus fatos iam tomando uma cor que era transmitida à área trabalhada pela dançarina, levando a que a inicial tela branca se tornasse num objecto multifacetado e multicor. Por vezes um deles rasgava um pedaço que esticava até ao chão ou até a parede onde o fixava com os mesmos gestos de fricção das mãos contra a rocha.

Perante nós uma imensa teia multicor ganhava forma, enquanto o som cavo de início ia modulando em cambiantes tonais, mais ou menos graves, soando como uma longa e arrastada melodia.
Através dos rasgões na superfície da tela, os dançarinos entraram naquilo que se assemelhava a um casulo, que tinham moldado no centro da imensa teia. O coro no anfiteatro, ao nosso lado, baixou a intensidade do seu cântico até ao silêncio, enquanto do interior do casulo um cântico mais agudo e mais intenso se elevava.

Com o aumento da intensidade do cântico o casulo iluminava-se mais ainda, tomando uma forma esférica e ganhando as cores e padrões do globo terrestre, libertando-se das mangas de tela que o prendiam às paredes e ao chão da caverna.
Então o coro da plataforma entoou novo cântico, juntando-se em contraponto com o cântico dos dançarinos no interior do globo, que começou a girar sobre si, tal como a Terra.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Por Grutas e Cavernas

Desmontamos dos nossos corcéis, à entrada da enorme gruta e avançámos para o seu interior.

A caverna alongava-se na forma dum túnel e, quando os nossos olhos se habituaram à semi-obscuridade, pudemos distinguir a alguma distância da entrada um vulto humano.
Era alguém com estatura muito elevada e esguia, vestido com uma longa túnica, que lhe cobria completamente o corpo, mesmo o longo pescoço, deixando apenas a cabeça descoberta. Uma cabeça calva e alongada, de feições humanas, mas em que a parte do crânio era dum volume superior e mais alongado que o comum entre nós, humanos. Os seus olhos eram grandes, alongados e dum olhar intenso e profundo, contudo sem nenhum aspecto de agressividade. Não via no personagem algum sinal que indicasse não ser humano, embora em nada se assemelhasse a qualquer um de todos os tipos de humanos que eu já vira.

As mangas da túnica eram igualmente longas, escondendo-lhe por completo as mãos. Era uma peça de vestuário invulgar, pois dela parecia e emanava mesmo, uma leve luminescência suavemente esverdeada, que se reflectia nas paredes da gruta.

Embora de fisionomia esguia, tudo na sua figura ostentava uma dignidade e majestade harmoniosas e benevolentes. Sorriu-nos com um gesto convidativo a que se lhe juntassemos e, ao ver que assim o faziamos, virou-se e dirigiu-se para o interior da gruta.

Aquilo não era andar, aquilo era deslizar! O seu caminhar era tão elegante e ao mesmo tempo tão rápido, pois pela sua altura fácil seria adivinhar umas longas pernas debaixo daquela túnica, que eu e Pelarus tivemos de estugar o passo para a acompanharmos.

Eu falei «a acompanharmos», contudo nada parecia indicar o sexo do nosso guia. Toda a figura era andrógina no seu aspecto e modos. E demais nem ainda lhe ouviramos a voz, bastara apenas a sua postura e o modo de comunicar com gestos brandos, para que a seguissemos.
Mas seria isso mesmo relevante? A determinação do sexo da criatura que encontraramos e que acompanhavamos? Creio que em nada seja relevante para a narrativa, ou para o que se pudesse vir a passar.
Constrangido que estou pela gramática portuguesa, enquanto escritor lusófono, irei livremente optar por ambas as designações, tanto feminina como masculina, nas referências à criatura.

E o caminho se fazia longo, sempre descendo, cada vez mais para o interior. Túneis que desembocavam em cavernas vazias, umas mais amplas que outras, mas onde em todas a leve luminescência da túnica do nosso guia revelava as belas formações geológicas de estalagtites e estalagmites.
Numa ou noutra gruta encontrámos pequenos lagos, ou mesmo ribeiros escorrendo céleres para desaparecerem por algum túnel escavado ao longo de séculos e séculos.
Noutras ainda podiamos ver a iridiscência de cristais de rocha, que se projectava em miríades de pontos multicolores pelas paredes rochosas. Efeitos dignos dos mais elaborados vitrais, que alguma vez a criatividade humana pudesse conceber.

Por fim, a insigne criatura que nos precedia, voltou levemente a cabeça na nossa direcção e pela primeira vez lhe ouvimos a voz: "Estamos chegando." Anunciou com um brilho doce no olhar e um leve sorriso nos finos lábios da pequena boca. Eu quase tropecei num afloramento rochoso e Pelarus agarrou-se ao meu braço, como se estivesse tentando confirmar que não sonhava.

A voz era suave como um murmúrio, mas perfeitamente audível. E, mais intrigante ainda, parecia ressoar dentro de nós; como se as nossas almas a ficassem repetindo e repetindo.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Voando

- Vem, Pelarus! Os unicórnios alados nos esperam perto do rio, fora da cidade. Apressemo-nos!
- Vamos ver a dança das cores. Não te poderei explicar. Quando lá chegarmos poderás verificar por ti.

Os graciosos corcéis aproximaram-se de nós assim que nos ouviram restolhar nas folhas caídas do pequeno bosque, onde se haviam escondido dos olhares inoportunos. Apressámo-nos a montar e agarrar nas suas crinas para nos mantermos equilibrados. Eles trotaram velozes até uma clareira e, aí chegados, com um impulso... já nos encontrávamos voando, impulsionados pelos fortes batimentos das alvas asas emplumadas. 
Eu sabia que a nossa sustentação se devia mais à sua capacidade de levitação. As asas serviam para algum impulso de velocidade e estabilização, assim como para manobrar.

Voámos alguns quilómetros ao longo do rio, um pouco acima das copas das árvores, mas logo que a geografia do terreno se começou a tornar mais irregular e rochosa, rodamos afastando-nos do rio e rumando em direcção aos contrafortes da imponente serra que se erguia altaneira, estendendo-se em espinha pelo horizonte.
Com o aproximar dos íngremes penhascos e encostas rochosas, fomos ganhando altitude. O ar ia ficando rarefeito e mais frio.

- Sim, não trouxemos roupas apropriadas para este frio, mas logo chegaremos ao nosso destino. E lá estaremos mais aconchegados, te asseguro, meu querido.

Os unicórnios voavam entre penhascos, uns mais íngremes que outros, evitando subir muito para nosso conforto. Por vezes atravessavam um vale, cavado por um rio oriundo dos picos mais elevados e brancos de neve. Esses vales enchiam-se de floresta, numa exuberante exaltação de vida e vitalidade. A natureza no seu esplendor!

Finalmente as nossas montadas pousaram num vale escavado por um velho glaciar, cuja parede de gelo não se encontrava muito longe. Uma imponente barreira branca, da qual escorria um ribeiro azul, cristalino, que se apressava pelo leito rochoso em busca de outros, que com ele formariam os rios que alimentariam as florestas nos vales mais abaixo.

Com passo cauteloso, devido às pedras soltas e seixos, os unicórnios encaminharam-se para a entrada duma caverna, que se abria na parede quase íngreme da montanha. 

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Transportes em Sulus

Bem, bom Pelarus, em Sulus não há tráfego de veículos de combustão; nem tão pouco as artérias são asfaltadas.
O transporte prioritário é o metro-ligeiro de superfície, movido a energia eléctrica, complementado por um serviço em rede de bicicletas e segways de permuta.

Todos os veículos, provenientes de fora da cidade ficam estacionados num silo automóvel à entrada da cidade. Esse edifício, além de recolher e resguardar os veículos de transporte individuais, serve também como centro de produção de energia eléctrica. As suas fachadas e tecto são revestidas de paineis fotovoltáicos; assim como no seu telhado estão montadas várias unidades eólicas de produção de energia (aerogeradores). Essa energia aí produzida, como toda a energia eléctrica produzida por todas as unidades de produção espalhadas pela cidade, é canalizada para a rede geral de distribuição.

O silo para automóveis fica no extremo da estrada que liga Sulus ao resto das cidades. A estrada acaba na praça em que se situa o silo e o interface de transportes que permite o transbordo de passageiros dos transportes externos para os transportes internos da cidade. Nessa praça também se situam a estação-terminal de caminhos de ferro e de caminonagem.

Igualmente os veículos de transporte de mercadorias terminam a sua viagem na mesma praça, por aí se localizarem os armazéns de recolha de mercadorias, a partir dos quais é feita a sua distribuição pelos vários destinos na cidade. Para tal são utilizados pequenos veículos próprios que circulam nas linhas de metro.

Do interface de transportes na entrada da cidade saem várias linhas de metro, orientadas em várias direcções e que se integram na grelha de metro que liga todos os pontos da cidade. Assim o transporte externo à cidade é impedido de circular nas artérias da cidade, tendo todos os seus ocupantes que optar pelos modos de locomoção local.

No interface há também uma estação de bicicletas e segways (de fácil utilização, pois a cidade é plana, sem relevos) providos ambos os veículos de um monitor digital com o mapa da cidade onde continuamente aparece a sua localização, para orientação do forasteiro que desconhece a cidade e precisa se orientar. Para a circulação das bicicletas e segways há vias pavimentadas próprias, que ligam várias estações de depósito e permuta. A sua utilização é gratuita, devendo o utilizador depositar os veículos no fim da sua utilização na estação de recolha mais próxima do seu destino, possibilitando assim que fiquem disponíveis para outros interessados.
Para uma boa gestão da distribuição pelas várias estações de permuta destes veículos de locomoção individual, há um serviço de controlo dos stocks pelos vários postos que se encarrega de recolocar as unidades em falta. Para tal são utilizados pequenos veículos de carga, próprios para o seu transbordo, que circulam pelas linhas de metro entre as várias estações. Convém acrescentar que cada estação de veículos de circulação individual fica junto a uma paragem de metro.

Falei que as artérias da cidade não são asfaltadas. Não são mesmo, meu caro Pelarus. São relvadas! A relva não é incompatível com os carris do metro-ligeiro que percorrem toda a cidade.
Algumas das artérias e praças são lajeadas em certas zonas, cabendo aos arquitectos urbanistas e paisagistas a definição das zonas a lajear. Além de que, como já referi, a cidade é percorrida por ciclovias pavimentadas, de largura suficiente a que duas bicicletas, ou segways, se possam cruzar em segurança.
Mas a rede de ciclovias, embora sirva todas as zonas da cidade, não percorre todas as artérias, servindo apenas para ligar as estações de permuta existentes nas praças principais de cada bairro.

Todo o sistema de urbanização da cidade foi pensado em função das necessidades do indivíduo e das suas acessibilidades. Por isso foi dada uma especial atenção aos transportes, baseada na política de total impedimento de circulação de veículos externos. A prioridade única foi dada aos transportes disponibilizados pelas entidades administrativas da cidade. O transporte individual personalizado é inexistente; ninguém possui o seu próprio veículo de locomução interna na cidade. Os que quiserem ter veículos prórios de transporte (automóvel ou moto) podem fazê-lo apenas fora da cidade, a partir do silo de automóveis.

Em Sulus todos gostam de caminhar, usando apenas o metro ou as bicicletas e segways, para distâncias maiores, ou por necessidades particulares (tempo ou incapacidade física).

Vamos experimentar uma volta de segway, Pelarus?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Apenas Ousar

Vem, meu bom Pelarus! Hoje caminharemos.
Nossos corcéis nos acompanharão livremente.

Subamos aos picos varridos pelo vento rarefeito das gélidas altanarias. Ah! Como me sinto leve que nem um colibri irisado!

O néctar divino estava fresco e escorria pelas nossas gargantas alegremente. Celebrámos as mágoas e o esquecimento. Agora nossos passos são ligeiros e mal afloram a erva fresca e viçosa dos prados do Vale das Sombras. Ébrios seguimos na peugada dos Deuses.

Ah!!!... Só assim os alcançaremos!

Vem! Meu amigo! Amparemo-nos, ombro a ombro. O Palácio de Hermes já não está longe. Lá pernoitaremos, hóspedes da cumplicidade duvidosa da sua androginia maliciosa. Há momentos na vida em que devemos ousar. Apenas isso: ousar.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Longamente Longo

Vamos ficar aqui, Pelarus.

Sentemo-nos na relva fresca e viçosa, dum verde tão regenerador. Olhando o Lago de Prata, levemente ondulado, pelo deslizar suave dos Cisnes Brancos de Zeus.
Os nossos Unicórnios Alados estão roendo algumas ervas. O Sol está morno e dormente. A tarde estende-se preguiçosamente.

Ah! Meu amado Pelarus! Se a vida pudesse ser assim tão tranquila, tão despreocupada, tão serena.

Não. Hoje não iremos a Sulus. Deixemo-nos entorpecer na lassidão, desfrutar a quietude do prado.
Que este momento seja lonnnnnnnnnnnnnnnnnngamente longo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Folgando

Estou cansado, Pelarus! Hoje vamos à caça!

A batalha foi dura.
O adversário ameaçava atacar em força, contudo apresentou manobras de diversão e arremetidas desconcertantes. Mas nós estavamos atentos e as nossas tropas susteram as incursões inimigas, repelindo-as com prontidão.
Não rechaçámos, nem perseguimos as retiradas. Mantivemos posições e mostrámos que não cederemos um passo, mas que também não nos interessa atacar ou invadir.

Que se mantenham as fronteiras!

Agora quero galopar pelos morros e bosques. Perseguir as presas e soltar os meus falcões. Enebriar-me com os latidos e algazarra dos galgos, extasiados com o fulgor da correria.

Ah! Meu bom Pelarus!
Vamos sentir as doces carícias da brisa e os aromas do bosque. Vamos rir e folgar. Desnudar-nos e banharmo-nos na água gelada dos ribeiros, entre guinchos e gargalhadas.

Eu quero rir! Meu amado Pelarus. Eu quero rir!!!... Ah! Ah! Ah!...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sulus

Sulus é o nome da cidade.

Onde as ruas são definidas pelos percursos dos trilhos de metro que se estendem por uma vasta rede ligando todos os pontos da cidade. E todas elas, as ruas, são pavimentadas de relva fresca, por onde podes caminhar de pés descalços.

Onde as árvores se perfilam ao longo das ruas amenizando o calor do Sol com a sua sombra refrescante.

Onde as gentes te saudam e sorriem, como se as conhecesses à muito. Mas, contudo, acabaste de as ver pela primeira vez.

Onde os Templos se erguem no centro de praças ajardinadas, enquadradas por edifícios de traçado suavemente sinuoso e decorados de murais profusamente coloridos. E cada edifício é auto-suficiente em termos energéticos, pois todos são providos de unidades autónomas de produção de energia.

Onde as habitações se organizam em torno dum pátio-claustro ajardinado com flores e legumes. E essas casas abrigam pequenas comunidades de indivíduos que se agrupam livremente, nos diferentes cómodos virados para o jardim interior.

(Durmamos agora, Pelarus amado, pois a manhã já se ergue no horizonte. Mais logo retornaremos)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sonhando na Barca

Doce companheiro, já te disse o quanto te amo? Meu fiel Pelarus!

O Mundo nos é adverso e cruel. As gentes são falsas e malévolas. Mesquinhas mentes que apodrecem na sua própria fealdade moral. Ah, tolos! Tolos que são! Nem sabem que a sua perfídia só poderá ser recompensada pelas suas próprias mãos. São eles os seus próprios carrascos.
Feio o mundo em que eles se atolam, infelizes. Quantas voltas ainda terão de rodar a roda...
Mas nada podes fazer, quando eles mordem a mão que lhes estendes.

Partamos nós, então. A brisa sopra promissora no velame da nossa barca. Poseidon acalmou as Vagas e os Tritões nos mostram o Rumo, divertindo-nos com suas cabriolices. Abracemo-nos e sonhemos.

O Horizonte é já ali. Espreita sobre a amurada, convidando para o Dia. Espera-nos a Terra em que os sorrisos são apenas isso; sorrisos. E os frutos pendem das árvores, oferecendo-se luzidios às bocas que os buscam e se saciam.
A Terra em que as ruas são pavimentadas de relva viçosa, de verde frescura, ávida de ser pisada. As praças são jardins e as casas se animam de risos e despreocupação. E nos jardins crescem flores e legumes, que depois decoram as mesas, em torno das quais todos são bem vindos.

Esse é o nosso Mundo, Pelarus.

Sulus o nome da cidade.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Temos Asas

Este mundo é um lugar vil e cruel, Pelarus. Um lugar onde os Humanos têm perdido o sentido de humanidade, o sentido do ser-se Humano. Deixaram que os seus corações fossem possuidos de perfídia e mesquinhez. A nobreza de caracter não tem mais valor.

Atirados diariamente para rotinas sem glória, apenas para manterem a viabilidade daquilo que julgam ser privilégios, mas que mais não se trata de ilusões vãs, pelas quais se deixam escravizar. São autómatos dum organismo maior, imenso, do qual não podem escapar, pois nele se encontram enredados desde o seu nascimento. E por ele são devorados. As suas almas devoradas, insaciavelmente.

Não nos deixemos subjugar nós também, meu querido Pelarus. Nós temos asas! Podemos voar daqui. Reunamo-nos àqueles que se erguem justos quanto nós.

Consegues sentir, tal como eu, o doce frio do ar rarefeito levando nossas asas cada vez mais Alto, cada vez mais Longe?
Oh, meu doce Pelarus... como é gloriosa a Vida! E a Felicidade de acreditar nela! Poder levar o Sonho sempre um pouco mais Longe, sempre um pouco mais inalcançável.
A Vida é um bafo divino soprando nossas almas, como o vento do Deserto sopra as cortinas de seda do Palácio Imperial.
Vem, meu amado. Bebamos nosso trago. Brindemos à Alegria de nos rirmos ao nascente e nos abraçarmos ao poente.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Vésper

Dias há, meu bom Pelarus, em que tudo pára.
O tempo, a vida, a vontade, tudo estaca e trava, como uma floresta petrificada em evos de estagnação. E que fazemos nós?

Tu e eu hoje limitámo-nos, hoje, a revirar languidamente numa modorra inconsequente entre o sono e a vigília. Nada mais restava que entrançar os sonhos com a dormência de curtos despertares para verificar que ainda não era tempo.
Tempo?! Tempo de quê? Tempo de coisa nenhuma. Porque terão todos os momentos de ser valorizados como se fossem a única coisa que restasse das nossas banais existências? Os momentos não são, nem terão de ser, todos iguais do nascer até a morte.

E os outros o que fazem em dias assim?! Oh, pobres almas! Esses limitam-se a continuar, contrariados, desempenhando os papéis que todos lhes apontam e que eles se resignam a aceitar como seus.
Eu disse aceitar e não assumir! Há uma diferença entre os dois termos. Uma abismal diferença! Se eles os assumissem não sofreriam a devastadora frustração que os arrasa e faz sentir menos que... pó (para não ser mais depreciativo).

Oh, Pelarus! Mas também voltará o dia em que iremos nos submeter a essa infame regra da ignóbil condição que é o ser-se civilizado. Os nossos dias de estúpido abandono existencial se aproximam do seu termo anunciado. A Fera espera, rugindo surdamente, pela nossa retoma. Ela irá querer seus tributos de volta. Não perdoa.

Sabes Pelarus? Um amigo tubarão-de-pontas-negras me confessou que a sua espécie dispõe dum sentido barométrico com que ele percebe as variações de pressão, possibilitando-lhe assim prever a aproximação de furacões. Desse modo eles fogem para águas mais profundas, de modo a se protegerem das violentas vagas gigantescas e consequente agitação das águas superficiais.
E nós, Humanos de superior inteligência e civilizados, que fazemos? Hahaha! Só dá para rir mesmo... Nós construimos cidades sobrepovoadas à beira-mar, sem nenhuns projectos de estudo geológico ou ambiental.

Já notaste, meu amado Pelarus, como nossos corcéis-alados pastam tão tranquilamente? Que Paz...! Hum... Deixemo-nos levar pela brisa vespertina...

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Estio

O Cisne Branco no Lago Prateado.
Pegasus saciando-se na margem. A luz flutua no Bosque das Virtudes qual véu de expectativa. A curiosidade, mais que a ânsia, de antever o que o logo esconde na sua bolsa de encantamenos. Cada momento é uma surpresa!

Peter toca a sua flauta enebriante na névoa trémula do meio-dia. O Sol reina imperial. O Silêncio abafa as vozes que se erguem clamando por Liberdade. Mas o estio é um langor arrastado e doentio, sabotando as vontades. Tudo é longe, tão longe...
Eu me rendo.

Procuremos uma sombra e desfrutemos duma fresca soneca, meu fiel Pelarus. Deixemos a preguiça reinar e nossos corceis recuperar da cavalgada pelos céus do devaneio.
O planeta segue o seu rumo... não temos de o empurrar.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Aurora Fogo Frio

A manhã desperta em laranja-fogo e roxo, anunciando o Sol que ainda se esconde algures nos momentos por vir. Os rastos de fumo dos aviões rasgam o firmamento, com o brilho de raios pressagiadores. A brisa é fria junto ao sapal.

Vem, Pelarus! Meu Amigo! Montemos nossos unicórnios alados e partamos em busca do Amanhã.

As gentes despertam. Das casas emana um rumor de luzes trémulas e calores que se agitam, em busca dum ritmo seu. A rotina toma conta da cidade em presságios nervosos, mas costumeiros.
Alguns grupos dispersos, esperam nervosos a chegada do transporte que os levará sabe-se lá para onde. Talvez nem eles mesmo saibam porquê. Ou porque esperam. O tempo faz-se de chegadas e partidas. Nada mais instável que esse constante fluir de tudo para coisa nenhuma.

Vamos, meu bom Pelarus! Acicatemos as nossas montadas, rumo ao horizonte longínquo. Cacemos! Hoje o sonho é a presa!