terça-feira, 19 de agosto de 2008

Longamente Longo

Vamos ficar aqui, Pelarus.

Sentemo-nos na relva fresca e viçosa, dum verde tão regenerador. Olhando o Lago de Prata, levemente ondulado, pelo deslizar suave dos Cisnes Brancos de Zeus.
Os nossos Unicórnios Alados estão roendo algumas ervas. O Sol está morno e dormente. A tarde estende-se preguiçosamente.

Ah! Meu amado Pelarus! Se a vida pudesse ser assim tão tranquila, tão despreocupada, tão serena.

Não. Hoje não iremos a Sulus. Deixemo-nos entorpecer na lassidão, desfrutar a quietude do prado.
Que este momento seja lonnnnnnnnnnnnnnnnnngamente longo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Folgando

Estou cansado, Pelarus! Hoje vamos à caça!

A batalha foi dura.
O adversário ameaçava atacar em força, contudo apresentou manobras de diversão e arremetidas desconcertantes. Mas nós estavamos atentos e as nossas tropas susteram as incursões inimigas, repelindo-as com prontidão.
Não rechaçámos, nem perseguimos as retiradas. Mantivemos posições e mostrámos que não cederemos um passo, mas que também não nos interessa atacar ou invadir.

Que se mantenham as fronteiras!

Agora quero galopar pelos morros e bosques. Perseguir as presas e soltar os meus falcões. Enebriar-me com os latidos e algazarra dos galgos, extasiados com o fulgor da correria.

Ah! Meu bom Pelarus!
Vamos sentir as doces carícias da brisa e os aromas do bosque. Vamos rir e folgar. Desnudar-nos e banharmo-nos na água gelada dos ribeiros, entre guinchos e gargalhadas.

Eu quero rir! Meu amado Pelarus. Eu quero rir!!!... Ah! Ah! Ah!...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sulus

Sulus é o nome da cidade.

Onde as ruas são definidas pelos percursos dos trilhos de metro que se estendem por uma vasta rede ligando todos os pontos da cidade. E todas elas, as ruas, são pavimentadas de relva fresca, por onde podes caminhar de pés descalços.

Onde as árvores se perfilam ao longo das ruas amenizando o calor do Sol com a sua sombra refrescante.

Onde as gentes te saudam e sorriem, como se as conhecesses à muito. Mas, contudo, acabaste de as ver pela primeira vez.

Onde os Templos se erguem no centro de praças ajardinadas, enquadradas por edifícios de traçado suavemente sinuoso e decorados de murais profusamente coloridos. E cada edifício é auto-suficiente em termos energéticos, pois todos são providos de unidades autónomas de produção de energia.

Onde as habitações se organizam em torno dum pátio-claustro ajardinado com flores e legumes. E essas casas abrigam pequenas comunidades de indivíduos que se agrupam livremente, nos diferentes cómodos virados para o jardim interior.

(Durmamos agora, Pelarus amado, pois a manhã já se ergue no horizonte. Mais logo retornaremos)

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Sonhando na Barca

Doce companheiro, já te disse o quanto te amo? Meu fiel Pelarus!

O Mundo nos é adverso e cruel. As gentes são falsas e malévolas. Mesquinhas mentes que apodrecem na sua própria fealdade moral. Ah, tolos! Tolos que são! Nem sabem que a sua perfídia só poderá ser recompensada pelas suas próprias mãos. São eles os seus próprios carrascos.
Feio o mundo em que eles se atolam, infelizes. Quantas voltas ainda terão de rodar a roda...
Mas nada podes fazer, quando eles mordem a mão que lhes estendes.

Partamos nós, então. A brisa sopra promissora no velame da nossa barca. Poseidon acalmou as Vagas e os Tritões nos mostram o Rumo, divertindo-nos com suas cabriolices. Abracemo-nos e sonhemos.

O Horizonte é já ali. Espreita sobre a amurada, convidando para o Dia. Espera-nos a Terra em que os sorrisos são apenas isso; sorrisos. E os frutos pendem das árvores, oferecendo-se luzidios às bocas que os buscam e se saciam.
A Terra em que as ruas são pavimentadas de relva viçosa, de verde frescura, ávida de ser pisada. As praças são jardins e as casas se animam de risos e despreocupação. E nos jardins crescem flores e legumes, que depois decoram as mesas, em torno das quais todos são bem vindos.

Esse é o nosso Mundo, Pelarus.

Sulus o nome da cidade.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Temos Asas

Este mundo é um lugar vil e cruel, Pelarus. Um lugar onde os Humanos têm perdido o sentido de humanidade, o sentido do ser-se Humano. Deixaram que os seus corações fossem possuidos de perfídia e mesquinhez. A nobreza de caracter não tem mais valor.

Atirados diariamente para rotinas sem glória, apenas para manterem a viabilidade daquilo que julgam ser privilégios, mas que mais não se trata de ilusões vãs, pelas quais se deixam escravizar. São autómatos dum organismo maior, imenso, do qual não podem escapar, pois nele se encontram enredados desde o seu nascimento. E por ele são devorados. As suas almas devoradas, insaciavelmente.

Não nos deixemos subjugar nós também, meu querido Pelarus. Nós temos asas! Podemos voar daqui. Reunamo-nos àqueles que se erguem justos quanto nós.

Consegues sentir, tal como eu, o doce frio do ar rarefeito levando nossas asas cada vez mais Alto, cada vez mais Longe?
Oh, meu doce Pelarus... como é gloriosa a Vida! E a Felicidade de acreditar nela! Poder levar o Sonho sempre um pouco mais Longe, sempre um pouco mais inalcançável.
A Vida é um bafo divino soprando nossas almas, como o vento do Deserto sopra as cortinas de seda do Palácio Imperial.
Vem, meu amado. Bebamos nosso trago. Brindemos à Alegria de nos rirmos ao nascente e nos abraçarmos ao poente.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Vésper

Dias há, meu bom Pelarus, em que tudo pára.
O tempo, a vida, a vontade, tudo estaca e trava, como uma floresta petrificada em evos de estagnação. E que fazemos nós?

Tu e eu hoje limitámo-nos, hoje, a revirar languidamente numa modorra inconsequente entre o sono e a vigília. Nada mais restava que entrançar os sonhos com a dormência de curtos despertares para verificar que ainda não era tempo.
Tempo?! Tempo de quê? Tempo de coisa nenhuma. Porque terão todos os momentos de ser valorizados como se fossem a única coisa que restasse das nossas banais existências? Os momentos não são, nem terão de ser, todos iguais do nascer até a morte.

E os outros o que fazem em dias assim?! Oh, pobres almas! Esses limitam-se a continuar, contrariados, desempenhando os papéis que todos lhes apontam e que eles se resignam a aceitar como seus.
Eu disse aceitar e não assumir! Há uma diferença entre os dois termos. Uma abismal diferença! Se eles os assumissem não sofreriam a devastadora frustração que os arrasa e faz sentir menos que... pó (para não ser mais depreciativo).

Oh, Pelarus! Mas também voltará o dia em que iremos nos submeter a essa infame regra da ignóbil condição que é o ser-se civilizado. Os nossos dias de estúpido abandono existencial se aproximam do seu termo anunciado. A Fera espera, rugindo surdamente, pela nossa retoma. Ela irá querer seus tributos de volta. Não perdoa.

Sabes Pelarus? Um amigo tubarão-de-pontas-negras me confessou que a sua espécie dispõe dum sentido barométrico com que ele percebe as variações de pressão, possibilitando-lhe assim prever a aproximação de furacões. Desse modo eles fogem para águas mais profundas, de modo a se protegerem das violentas vagas gigantescas e consequente agitação das águas superficiais.
E nós, Humanos de superior inteligência e civilizados, que fazemos? Hahaha! Só dá para rir mesmo... Nós construimos cidades sobrepovoadas à beira-mar, sem nenhuns projectos de estudo geológico ou ambiental.

Já notaste, meu amado Pelarus, como nossos corcéis-alados pastam tão tranquilamente? Que Paz...! Hum... Deixemo-nos levar pela brisa vespertina...