sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Explicações

Por toda a caverna o coro foi aumentando de intensidade, já que as restantes criaturas, dispersas pelos vários nichos, juntaram as suas vozes à longa e ondulante melodia. 
Entretanto o globo no centro, ia-se tornando mais e mais brilhante, até eu e Pelarus sermos obrigados a desviar o olhar. Esse fulgor aumentou até se dissipar em miríades de pequenas luzes, que lentamente, flutuavam até às paredes rochosas e nela se diluíam, como se as tivessem penetrado. 

Quando voltámos a olhar de novo para o centro da caverna, já o grupo de dançarinos se dirigia no mesmo passo elegante para um dos túneis que desembocavam ao nível do chão da gruta. 
O coro do anfiteatro saia ordenadamente por um túnel do lado oposto ao daquele por onde nós entráramos. Mas a mesma criatura que nos havia trazido até ali não os acompanhou, tendo abandonado a sua posição para de novo se vir juntar a nós. 

"Questões. Muitas questões." afirmou na sua doce voz, com um sorriso amigável e cheio de ternura.
"Sim" respondi, aproveitando a ocasião para apresentar algumas das minhas dúvidas. "Quem sois vós? Porque nos trouxestes até aqui? O que significa o que nos mostraste?" Teria muito mais a perguntar, mas me pareceu que estas seriam as mais prementes.

"Não necessitas de falar, pois eu te escuto mesmo sem articulares as palavras. E nada tendes a recear de mim ou de qualquer um de nós." Falou tentando apaziguar algum receio que eu sentia pelo inusitado de toda aquela situação. Depois acrescentou: "Sim e não. Eu não posso escutar os teus pensamentos, mas posso escutar as palavras que pretendes proferir sem que as digas. No entanto sinto o teu receio e o de Pelarus também." Sorria carinhosamente enquanto falava, olhando meigamente para Pelarus "Ele está bem mais impressionado que tu." 

E estendendo a sua longa mão alva de dedos esguios, segurou amigavelmente a mão de Pelarus, ao que este correspondeu com um sorriso largo e descontraído. "Pronto! Já estás mais tranquilo." 
Depois continuou; "Nós somos o vosso amanhã, o vosso futuro." E perante a minha incompreensão, completou, "A vossa humanidade irá se extinguir, enquanto espécie, mas uma nova espécie humana já se está desenvolvendo para habitar a Terra."

As ideias corriam na minha cabeça e ela, ou ele, ia respondendo às minhas questões antes de eu as verbalizar. "Por enquanto apenas habitamos no interior da Terra e no fundo dos oceanos. Seria arriscado para vós o nosso aparecimento prematuro. Tudo se tornaria muito tumultuoso, entre vós. Não pretendemos interferir nos vossos destinos."

Eu e Pelarus escutávamos silenciosos, absorvendo cada palavra. "A vossa espécie extinguir-se-à naturalmente. Nós apenas tentamos salvaguardar algum equilíbrio natural no planeta para quando chegar o momento de o reivindicarmos à superfície. Foi um desses trabalhos que acabastes de presenciar." E com um mais largo sorriso, tranquilizou o meu sentimento de alarme, "Não haverá confrontos da nossa parte e a vossa espécie já estará em tal estado de declínio que os vossos últimos membros terão um fim tranquilo sob o nosso cuidado."

"Quanto ao planeta... A Natureza sempre se regenerou e a civilização que estamos desenvolvendo insere-se perfeitamente nos sistemas naturais do planeta." Fez uma pausa, em que podíamos ouvir o silêncio cristalino da imensa caverna, agora vazia. "Tal como vós tínheis melhores capacidades de adaptação física e mental que as espécies humanas anteriores a vós e desenvolvestes capacidades tecnológicas notáveis, nós temos maiores capacidades metabólicas e mentais que vós e que nos permitem o desenvolvimento duma civilização mais elevada em termos científicos e principalmente éticos."

"Agora vou vos acompanhar até à entrada dos túneis, onde os unicórnios vos esperam, para que regressais a Sulus."
"Conheceis a cidade?" entusiasmei-me a perguntar.
"Sim, conhecemos. É um bom exemplo de como deveríeis viver. Um bom modelo de cidade." E mais não disse, enquanto nos guiava de volta ao mundo exterior.


Nota: Este é o quarto e último texto, consecutivo na apresentação neste blog, dum pequeno relato designado sob o título geral de "A Dança das Cores"; embora cada texto tivesse recebido um título próprio.

4 comentários:

SILÊNCIO CULPADO disse...

ManDrag
Um belo texto, por sinal, que projecta no imaginário a tua visão do mundo.
Mas é também uma incursão pelo teu interior transbordante de perguntas e de dádivas e, sobretudo, de entregas em terras solitárias.
Disto eu entendo.Não pela aderência mas pelo sentimento.

Abraço

ManDrag disse...

Salve! Lídia
Eu não escrevo para ser lido apenas, mas para ser sentido acima de tudo. Os mundos que me habitam não são acessíveis nem descritíveis com palavras.
Abraço.
Salutas!

São disse...

Como sempre, de boca aberta.
Feliz semana.

ManDrag disse...

Salve! São Amiga

Obrigado. Tua aprovação é sempre um estímulo.

Feliz semana para ti também.

Salutas!